Adore
Delano está perturbando a comunidade drag com seu jeitinho
punk rock de fazer as coisas, pegando-a pelo pescoço e sacudindo o
status quo. A antiga scene kid que virou estrela de RuPaul’s Drag
Race está enchendo o buraco de nove jardas em seu coração com
confiança, determinação própria
e uma ferocidade que ninguém chega perto de igualar. Porque quando
Adore triunfa, a vitória parece ser de todos os oprimidos e
desajustados por aí.
Adore
Delano soa cansada. Ela acabou de voar de sua nativa Los Angeles para
Denver para gravar um clipe musical, e em menos de dois dias ela
embarcará em um avião para a Austrália para fazer uma série de
shows de sua turnê. “Isso foi tranquilo, eu dormi durante a coisa
toda”, ela diz com uma voz sonolenta quando perguntada sobre seu
voo. Se alguém merece um descanso, esse alguém é Delano, nome
artístico de Danny Noriega, 28 anos; cantora, compositora e uma das
artistas drag mais populares trabalhando. Entre participações em
turnês mundiais com outras drag queens, trabalhos em boates e sua
própria agenda de shows como música, Delano passa uma boa parte de
seu tempo na estrada. Entre as aparições, há gravação de clipes,
compromissos com a mídia e meet & greets.
A
agenda apertada de Adore se dá, sem dúvida, pelo seu carisma
irreprimível. Como artista, Delano é atraente sem parecer
fabricada. Sua postura desleixada e de bom coração adorada por seus
milhões de fãs (na época da entrevista ela tinha 1 milhão e meio
de seguidores no Instagram) não é nenhum truque. Ela ri bastante e
fala com um sotaque relaxado do sul da Califórnia. Ela termina cada
frase com “dude” e “man”, um tique verbal parecido com o dos
manos que não combina com o fato de que ela se veste como uma
belíssima mulher e ganha a vida cantando músicas sobre seus
sentimentos.
Esta
tensão – entre a personalidade calma, sul-californiana de Adore e
o fato de que ela se torna uma mulher excepcionalmente bonita –
ajuda muito a explicar um pouco de seu encanto. Drag queens não são,
generalizando, pessoas tranquilas. Se apresentar em boates escuras
para multidões de homossexuais e solteiras bêbados é uma tarefa
difícil que geralmente atrai personalidades com muita energia e, às
vezes, difíceis de ser manter. Em contraste, a abordagem de Delano
tanto para conversas quanto para a arte drag é indiferente de um
jeito charmoso. Nos palcos, ela geralmente deixa de lado os aparatos
tradicionais de representação feminina (enchimentos para quadris e
busto, vestidos longos, paetês, perucas empilhadas) para dar lugar a
camisetas de banda rasgadas e coturnos.
Essa
estética, claro, não existe sem oposições. Outras drag queens
famosas criticam Adore por sua perceptiva aversão a fazer drag “de
verdade”, e comentaristas da internet a acusam de usar a arte drag
como um artifício para impulsionar sua carreira musical. Quando
perguntada sobre como se sente com esses tipos de críticas, ela
responde em um tom prático:
“Se
você vai a um dos meus shows, você vai a um show com um personagem
completamente bem pensado. Não preciso usar a arte drag para levar
minha carreira pra frente. Isso só acontece porque sou uma filha da
puta linda com cílios postiços. Sou um personagem bem pensado,
então ouvir isso meio que me magoa, especialmente no começo. Mas
todas as drag queens são pequenos e diversos universos, e se você
não consegue enxergar que sou uma parte do arco-íris, então vá se
ferrar”.
O
que está envolvido no processo de criação de uma drag queen
rockstar? Quando perguntada sobre sua infância e a música que a
formou, Adore responde com uma enorme gargalhada. “Crescendo, meu
gosto musical era estranho! Meus irmãos tiravam sarro de mim porque
eu tinha posters da Pink. Meu Deus, eu não queria dizer isso!”
Mesmo
que o pai de Adore fosse uma presença nada frequente em sua vida –
eles quase não tinham nenhum relacionamento quando ele morreu há
quase três anos –, ela cita o gosto dele por rock clássico dos
anos 60 e 70 como uma grande influência inicial. Ela também explica
que crescer no início dos anos 2000 impactou bastante suas
sensibilidades musicais. “Eu diria que fui criada por Britney e
Manson”, ela diz. “E as Spice Girls! Quando me perguntam qual
minha banda de rock favorita, eu digo que são as Spice Girls.
Durante o ciclo deste álbum, eu falei sobre muitas influências do
rock, mas não quis perder minhas princesas do pop de vista”.
Adore é o tipo de pessoa que parece ter nascido confiante, mas é óbvio
que ser a criança queer no bairro que amava as Spice Girls e o
Marilyn Manson não seria fácil. “Sim, foi complicado”, diz ela.
“Cresci em Azusa, cara. Não é o lugar mais difícil para crescer,
mas não é o mais fácil para uma pessoa queer, especialmente se
você for afeminado. Você tem que realmente saber se defender e
passar por certas situações. Quer dizer, eu já fui expulsa de um
apartamento por caras com facas uma vez. Foi pesado.”
Ano
passado, Delano se assumiu como não-binária, mas no ensino médio,
suas dificuldades foram aumentadas pelo fato de que ela se
apresentava primariamente como uma mulher. “Eu passei praticamente
meu ensino médio inteiro como uma garota”, ela diz. “Está no
Google, então você pode ver meu eu de 14 anos parecendo uma vadia
de 27 anos”. Ela ri, e então fica séria. “Eu tive que lutar por
meu espaço no ensino médio algumas vezes”.
Depois
de passar pela puberdade, os sentimentos de Delano sobre seu gênero
mudaram gradualmente, e ela passou a se apresentar de forma mais
masculina, mas ela explica que seus anos de escola a ajudaram a
consolidar sua decisão de viver a vida da sua própria maneira. “As
pessoas costumavam ficar tipo ‘se você não quer lidar com isso,
não se vista de forma tão extravagante’, mas é como eu me
sentia. Era muito importante pra mim, como uma jovem pessoa queer, me
expressar artisticamente e usar maquiagem e viver minha vida, mesmo
que me confundissem com uma garota e me batessem. Enquanto eu
estivesse bonita, eu me sentia importante”.
Felizmente,
Delano, que se assumiu aos 12 anos de idade, teve uma situação mais
fácil em casa. “Minha irmã é lésbica, e ela é um pouco mais
velha que eu, então eu a observava e tinha essa preparação”,
Delano explica. E então tinha sua mãe.
“Eu
cresci em um salão de beleza – minha mãe é manicure – e eu
conhecia todos os amigos gays dela lá. Ela saía com seus amigos
gays e falava sobre isso. Ela contou aos meus irmãos duas semanas
antes de eu me assumir que ela achava que eu ia contar a ela que sou
gay, então eles precisavam pegar leve comigo”. Quando Delano
realmente se assumiu para a mãe, a reação dela foi bem amena. “Ela
estava cozinhando, e ela apenas disse ‘Não faça isso ficar
estranho. Tire os biscoitos do forno’.”. Delano atribui seu
temperamento notavelmente indiferente a sua mãe. “Eu puxei isso de
não dar a mínima da minha mãe. Digo, ela não dá a mínima. Ela
tem 50 e poucos anos, e ela ainda se mete em brigas de bar”, Delano
ri. “Ela é louca”.
A
resiliência da jovem Adore foi posta a uma grande prova quando ela
conseguiu uma vaga na sétima temporada de American Idol. Delano –
naquela época ainda conhecida como Danny – conseguiu atenção
por sua personalidade escandalosa e seu relacionamento audacioso com
os jurados. Mas nos bastidores, ele recebia advertências da produção
sobre sua sexualidade e apresentação efeminada. “Eu era muito
interessada em maquiagem desde antes dos tempos de American Idol e
tive que mascarar”, ela explica. “Eles não falavam ‘você
precisa se masculinizar’, mas diziam que eu não podia cantar
músicas de mulheres, e me falaram que eu provavelmente não deveria
me assumir. Eu lembro dessa conversa de forma bem vívida. Para
alguém de 18 anos, foi devastador.”
Depois
de deixar o American Idol, Noriega começou a fazer vídeos para o
YouTube montado e a se apresentar nas boates de West Hollywood. “Eu
estava envolvida na cena de boates de Hollywood a um tempo”, ela
diz. “Depois que fiz 18 anos, minha mãe me deixava ir, então eu
cresci cercada pelas grandes queens de Los Angeles, e eu as assistia
performar. A primeira vez que me apresentei foi aos 21, no Micky’s
de West Hollywood”.
De
acordo com Delano, a observação minusciosa das outras drags não é
um fenômeno recente. “No começo, elas ficavam tipo ‘Quem é
essa garota popular no YouTube? Será que ela vai entrar na nossa
onda e tomar conta?’”, ela explica. “E eu estava, bicha! Eu
estava derrotando elas em todas as competições, então elas estavam
com raiva”. Ela ri, envergonhada. “Mas acho que elas gostavam
mais do meu estilo naquela época, porque se parecia mais com uma
drag queen, e eu costumava dublar e tudo”. Depois de trabalhar
profissionalmente por três anos, Delano estava no elenco da sexta
temporada do reality show de competição RuPaul’s Drag Race.
Delano perdeu por pouco a chance de ser coroada, e sua atitude
despreocupada cativou os fãs. (Ela chegou a responder a uma alegação
de que sua visão de drag não era polida o suficiente dizendo que é
“polish remover, bitch”). Depois, ela apareceu brevemente na
segunda temporada de RuPaul’s Drag Race All Stars antes de, em um
movimento sem precedentes, decidir deixar o programa. Entre suas
aparições em Drag Race, Delano lançou dois álbuns, o de estreia,
Till Death Do Us Party, em 2014, e After Party em 2016. O primeiro
estreou em terceiro lugar na lista de álbuns Dance/Eletrônica da
Billboard e em 11º na lista de álbuns independentes. O segundo
estreou em primeiro na lista de álbuns de Dance/Eletrônica. Nada
mal para uma criança de Azusa.
Para
compreender completamente o peso de Adore, é importante entender o
que, exatamente, RuPaul’s Drag Race representa, tanto dentro da
comunidade LGBTQ e na cultura pop em geral. Até atualmente, numa era
de vitórias históricas nos campos cultural e legal para pessoas
LGBTQ, as figuras de representação na mídia são abismais. Na
edição de 2017 do relatório anual da GLAAD sobre representação
na televisão descobriu que 6,4 por cento dos personagens em
programas de TV eram classificados como gays, lésbicas, bissexuais
ou transgênero, o percentual mais alto já registrado nos 13 anos da
pesquisa.
RuPaul’s
Drag Race é, por contraste, uma desafiadora e intensa fantasia gay.
Entrar no programa é um bilhete premiado para artistas drag, que
costumam passar os anos após isso em turnês mundiais afiliadas ao
programa. Mas algumas ex-participantes cresceram com suas
participações no programa de forma inteligente o suficiente para
transcender o nicho de entretenimento queer e apostar no sucesso
mainstream. Dentre esta vanguarda de drags pioneiras, Delano é, sem
dúvida, uma das maiores estrelas.
A
popularidade de Drag Race teve um número de consequências positivas
para as queens que competiram no show e, por extensão, para a arte
drag no geral. Se apresentar como drag profissionalmente, antes um
jeito certeiro de se assegurar uma vida de isolamento e poucos
recursos, agora se tornou uma carreira potencialmente lucrativa. A
demanda súbita para esse tipo de arte criou uma indústria inteira
de fabricantes de perucas, designers, fotógrafos, estilistas,
cinegrafistas e administradores.
Mas
esse boom súbito não surgiu sem consequências. Muitos setores da
indústria do entretenimento ainda empregam práticas de negócio
desonestas, mas sem o benefício de uma união ou mesmo padrões de
indústria colaborativos, artistas drag estão especialmente
vulneráveis.
“A
maioria das minhas amigas é drag queen, e a gente não fez faculdade
de negócios”, Adore explica. “A gente não sabia como seria ser
lançada lá fora, e fazer todo esse dinheiro, e saber como
controlá-lo. Digo, nós viemos de vidas diferentes. No começo você
só trabalha, trabalha, trabalha, e é fácil tirar vantagem de
alguém quando essa pessoa não está acostumada a fazer negócios”,
mas ela adiciona, com uma gargalhada, “você sabe... Tenho
advogados agora”.
Esse
comentário é uma alusão à batalha judicial em andamento entre
Delano e sua antiga agência, a Producer Entertainment Group. Em
abril de 2017, Delano entrou com um processo contra eles alegando que
eles roubaram mais de 2 milhões de dólares dela pelo período de
três anos. Em janeiro deste ano, a PEG contra-atacou, por supostas
taxas de 180 mil dólares. Quando questionada sobre como estão essas
batalhas judiciais estão no momento, Delano explica que está
legalmente impedida de falar sobre isso, mas que está trabalhando
com uma equipe menor e mais unida. “É sobre ter pessoas que você
ama trabalhando ao seu lado. Digo, meu primo [John Padilla, seu atual
agente], eu cresci com ele morando do outro lado da minha rua. Então
agora eu tenho uma estrutura ao meu redor que é segura e na qual eu
posso confiar”.
Porque
Drag Race é um dos poucos shows na televisão que fala diretamente
com pessoas LGBTQ, muitos de seus fãs tem uma devoção intensa, e
manter uma pessoa pública sem falhas no meio de toda essa
intensidade começou a colocar pressão em Delano.
“Eu
acho que é bem importante as pessoas prestarem atenção”, ela
diz, falando do estresse que isso pode causar. “Eu acho que a linha
da humanidade das pessoas está meio cinzenta agora, sabe? Digo, nós
temos fãs e estamos nos papeis de parede de seus celulares, então
estamos constantemente em seus bolsos. Isso pode fazer algumas
pessoas pensarem que você é um objeto, que pertence a elas. Então
quando nos veem, parece que somos apenas seus papeis de parede; sou
apenas a Adore Delano. Não passamos por merdas, nosso pai não
acabou de morrer, não acabamos de passar por um término – não há
nada acontecendo por trás desses olhos”.
Apesar
disso, sempre que ela sente que está se afundando demais em
auto-piedade, ela se lembra de um conselho sagaz. “Minha mãe
sempre me diz, ‘não importa o que aconteça, desgraça, pode
reclamar ou o que for, mas não reclame com eles. Eles compraram um
ingresso. O que quer que seja que esteja acontecendo, chore por isso
nos bastidores’. [Risos] Tudo bem.”
O
custo que esse tipo de pressão – combinada com a pressão física
e mental de manter agendas de shows tão lotadas – tem sobre
grandes artistas drag ficou bem óbvio no começo deste ano quando
Katya Zamolodchikova anunciou que ela tiraria uma folga de um ano de
fazer drag para focar em seu bem estar. “Katya e eu éramos da
mesma agência, e eles são muito exigentes, cara”, diz Delano.
“Eles nos tratam como animais”. Ela cita isso como parte do
motivo de sua recente mudança para Seattle.
“É
sempre no terceiro ano que você começa a ficar louco, e isso foi o
que aconteceu comigo e porque eu me mudei pra Seattle”, ela
explica. “Eu sou super reclusa; é apenas como eu sou. Eu pareço
extrovertida, mas no fim de tudo, quando eu estou em casa, gosto de
ficar sozinha. O terceiro ano, você enlouquece, e eu acho que você
tem que tirar um tempo pra si, pra ter alguma perspectiva, e pra ver
se estão tirando vantagem de você”, ela continua.“Eu perdi a
cabeça por alguns meses por causa das minhas batalhas judiciais. É
muito pra um ser humano aguentar”.
O
vídeo filmado em Denver era para uma das músicas mais destacadas do
Whatever, 27 Club. O título é uma referência ao grupo de músicos
e atores populares que morreram todos aos 27 anos de idade. Muitos
dos artistas no clube, entre eles Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim
Morrison, Kurt Cobain e Amy Winehouse, são o tipo de figuras
altamente influentes cujas vidas foram ofuscadas por suas próprias
lendas. É uma fixação inesperada, mas apropriada para uma drag
queen cantora, já que drag queens são, por natureza, criaturas que
se reinventam e criam lendas. A letra da música também dá pistas
da turbulência mental que moveu a maior parte do disco e a mudança
de Adore para Seattle em primeiro lugar. “Baby perdeu a
cabeça/Ninguém lhe dá tempo/As drogas valem a pena/Ou é o que
parece”, ela canta.
No
passado, Delano falou de forma um pouco vaga sobre o papel que as
drogas e o álcool desempenharam na decisão dela de se mudar. Quando
perguntada diretamente sobre isso, ela é bem franca. “Crescendo,
eu nunca me apoiei em drogas e álcool, de verdade”, ela explica.
“Quando eu comecei a fazer turnês com Drag Race, comecei a
festejar mais para lidar com a falta de relacionamentos
desenvolvidos. A gente ia conhecer esses humanos maravilhosos, e
então lhes dizer adeus para sempre alguns dias depois, e isso me
fazia mal pra porra”. Mesmo que ela nunca tenha ficado extremamente
viciada em drogas pesadas, ela admite, “as vezes que eu as
experimentei em turnê, eu misturava de qualquer forma, e os
resultados de algumas delas foram terríveis. Festejar se torna parte
do seu trabalho, mas você precisa lembrar que festejar não é seu
trabalho”.
Além
disso, ela foi motivada por um desejo de tirar inspiração musical
de uma cidade na qual ela nunca viveu mas admirou por muito tempo.
Adore cita um número de importantes músicos do noroeste (Kurt
Cobain, Courtney Love) e bandas do movimento Riot Grrrl como Babes In
Toyland como grandes influências. “Acho que esse foi metade do
motivo do meu espírito me guiar para lá”, ela diz, com uma de
suas muitas gargalhadas. Nada surpreendentemente, Delano lidou com o
comportamento gelado da cidade com confiança.
“Sim!
Eu fiz amigos”, ela exclama. “Sabe, eu sou um pterodáctilo
social, então mesmo quando não estou nesse meio social, eu ainda
vou estar em círculos sociais. Vai se ferrar, vadia. Você ainda
está lidando comigo!”. O motivo principal, a mudança foi para
ganhar espaço para mudar seu modo de pensar. “Eu queria começar
do zero, e eu sempre quis criar raízes por lá por um tempo e ver o
que isso ia fazer pela minha cabeça”, ela adiciona.
Aparentemente,
o efeito de Seattle em seu cérebro impulsionou um distanciamento de
seus álbuns anteriores, mais dançantes. Em vez disso, ela escreveu
Whatever, um álbum de rock alternativo. Abandonando batidas de pop
eletrônico em favor de uma banda de rock tradicional, Whatever é um
álbum de 11 faixas gritantes e verdadeiras de rock. “Você sabe,
no início, Sharon [Needles, vencedora da 4ª temporada de Drag Race]
fez música e foi legal, então eu fiz música e funcionou, e então
todo mundo começou a fazer música, e começou a dar certo pra todo
mundo. E aí eu pensei, ‘o que eu posso fazer para me diferenciar
dessas pessoas? O que eu tenho desejado
fazer?’. No começo, eu estava oferecendo o que eu achava que as
rádios queriam, e eu estava ouvindo meus agentes enquanto escrevia.
Mas agora, sou um pássaro livre. Eu gosto de sentar, fumar maconha,
escrever um monte de músicas, gravar num estúdio, lançar e ver se
as pessoas gostam”.
Eventualmente,
ela encontrou inspiração nos anos de sua adolescência que passou
em bandas de garagem. “Eu percebi que eu era muito feliz no ensino
médio em uma banda fazendo música trash, terrível. Soava péssimo
naquela época, mas eu me divertia demais”, ela fala. “Então eu
passei a me sentar com meus colegas de banda, fazendo músicas
estúpidas que não faziam sentido, e decidi voar para o Arizona para
gravar com Nathan [Morrow, produtor], e eu apenas sentei e escrevi.
Foi tão orgânico e tão divertido, e foi tipo ‘Aí vai. Ninguém
mais está fazendo isso. Podem ser que soa terrível e o que mais
quiserem, mas não há nada igual! Que seja!’”.
Mesmo
que inicialmente Delano defina o processo de produção do disco como
“divertido”, é claro, quando ela começa a elaborar, que, na
realidade, o processo foi bem mais complicado. “A minha cabeça
estava em um lugar muito sombrio”, ela diz. “Eu queria morrer em
alguns dias, e [certas vezes] eu deixava de comer por três dias
seguidos. Estava obcecada em acertar cada som, fiquei acordada por
dias fumando e escrevendo”. No fim, ela diz, essa intensidade valeu
a pena. “Nathan aguentou minha energia obsessiva e pariu meu bebê”.
Nas
vésperas do lançamento do álbum, Adore era constantemente
questionada pela imprensa pelo risco envolvido em uma mudança tão
drástica. Afinal, muitos de seus fãs foram presumivelmente atraídos
por sua música precisamente porque era um dance-pop de coração
leve, e rock não era um gênero no qual artistas drag tenham
historicamente tido sucesso. Mas para Delano, as recompensas valiam
mais do que qualquer risco.
“Foi
definitivamente um risco que eu queria correr porque eu estava na
onda, e – eu sei que vai soar bobo – mas eu estava tão cansada
de fazer turnês e cantar pop”, ela diz. “Eu só queria fazer o
que eu queria de verdade fazer”. Agora que ela já lançou o álbum,
os riscos parecem ter valido a pena. “Os fãs tem sido mais
receptivos do que eu achei que seriam. Eu apenas rolei os dados e...
hey, eles ainda me seguem, cara. Essa galerinha parece gostar de mim!
Eu não sei porque
eles gostam de mim, mas que seja! Eu aceito. E eu vou continuar
fazendo as coisas que eu gosto”.
Um
dos melhores desenvolvimentos dessa nova direção musical, de acordo
com Delano, é sair em turnê mais vezes com sua banda. “É apenas
minha baixista, meu guitarrista e meu baterista”, ela diz. “Eu
amo esses desgraçados, cara. Eles dão vida à música”. Quando
perguntada se ela prefere sair em turnê com sua banda ou em um
ônibus cheio de drag queens, ela revela: “Eu amo muito mais sair
em turnê com a banda. É perfeito. Eu fiz esse álbum para me
apresentar com uma banda, sabe? Parece tão completo, tão sólido.
Me faz querer socar todo mundo na cara”.
Um
dos aspectos inesperados da fama de Adore (e da franquia Drag Race em
geral) é o número de fãs extremamente jovens que atraiu. Antes
apenas com a atenção e reconhecimento de fãs adultos em bares
gays, as queens de Drag Race agora geralmente conseguem grandes
números de seguidores adolescentes. Delano, em particular, parece
ter atraído muitos dos fãs mais jovens da série.
“No
começo, eu não entendia muito isso, porque, você sabe, eu venho do
gueto”, ela diz, com um grunhido auto-depreciativo. “A comunidade
drag em que cresci não tinha crianças nos bares. Nós éramos
vulgares pra caramba. Falávamos sobre coisas bem inadequadas. Então
no começo eu ficava tipo ‘por que vocês estão dirigindo por
horas para levar seus filhos para um bar para conhecerem drag
queens?’. Mas, em mais ou menos um ano, eu percebi que Drag Race
virou um completo fenômeno cultural. A galera está cada vez mais
jovem, e estão vendo todas essas cores. Está abrindo os olhos dos
pais, e isso tem um efeito nos filhos, e está criando esse lance
legal. Esse pessoal é jovem e está salivando por drag queens na TV,
na sala deles, logo após Love & Hip Hop, sabe? Eu amo isso, e eu
amo as crianças!”. Ela então adota um tom reservado, como de
palestra. “Whitney disse que as crianças são nosso futuro”.
Adore
parece surpresa quando perguntada se esse nível de atenção a deixa
emocionalmente exausta. “Eu sempre lembro as pessoas quando eles me
perguntam algo do tipo que eu tenho trabalhado com música aqui e ali
desde que eu tinha 17 anos”, ela responde. “Quando eu comecei a
fazer sucesso com isso, eu tinha tipo 19 ou 20, e tinham paparazzi, e
eu ficava tipo ‘Que merda é essa? Como lidar com isso?’. Mas
agora é tipo modo robô, cara. Eu me coloco no olhar público, então
eu seria uma babaca se alguém viesse falar comigo enquanto estou
saindo com meus amigos e estamos comendo algo, e eu ficasse tipo
‘estou comendo agora’. Eu sempre tento tirar um tempo para tirar
fotos com as pessoas porque eu me coloco lá por vontade própria”.
Além disso, ela adiciona, com uma risada: “Eu tenho que estar
feliz por fazer o que estou fazendo porque eu não sou boa em mais
nada. Tire uma foto! Eu vou parecer a porra da Pepper de American
Horror Story. Eu não me importo”.
Um
grande efeito da popularidade de Drag Race, para o bem ou para o mal,
é uma mudança na forma em que as queens são vistas romanticamente.
Antes do programa, com sua ênfase em mostrar as concorrentes
desmontadas, trabalhar como drag profissionalmente muitas vezes
significava ser visto como profundamente indesejável.
“Cara,
foi uma mudança grande pra caralho”, Adore explica quando esse
fenômeno é mencionado. “Mesmo quando eu estava começando, se
alguém no Grindr descobria que eu fazia drag, ele me bloqueava na
hora. Não era legal. Não era sexy. Minhas sobrancelhas estavam
raspadas. Agora é tão diferente. Agora eles te sexualizam. Eu acho
que é porque eles mostram a gente se desmontando no programa, na
forma de garoto. O que quer que
isso signifique.
Isso nos mostra como humanos, o que é bom, mas isso também causou
essa reviravolta”. Ainda hoje em dia, ela diz que sofre esse tipo
de preconceito às vezes. “Depende da parte do mundo em que você
está”, ela explica. “Às vezes eu mostro fotos minhas montada
para alguns caras, e eles não vão gostar. Aí eles vão ver o
número de seguidores que eu tenho e aí
eles
ficam interessados”.
Quando
perguntada sobre sua própria vida amorosa, Delano responde com sua
risada característica. “No momento, não tem muito de vida
amorosa. Digo, eu sou um espírito livre, e agora eu estou
trabalhando tanto, e estamos tanto na estrada, que eu apenas acabo
conhecendo pessoas casualmente. Fica sério quando tem que ficar
sério, mas eu estou focando na minha música”.
O
que Adore pode fazer que Danny não pode?
“Ah,
tudo, cara!”, ela exclama. “Tem algo sobre essa máscara de
maquiagem e a peruca de super-herói que faz eu sentir que poderia
fazer qualquer coisa, menina. Quando estou montada, eu vou dar em
cima das pessoas e ser paqueradora; quando sou Danny, eu fico de boa,
geralmente estou chapado. É bem estranho”.
Adore
descreve Whatever como seu disco mais raivoso, e muita dessa raiva é,
compreensivelmente, política. Muitos dos avanços legais feitos para
os LGBTQ nos últimos anos parecem, à luz da administração atual,
repentinamente fracos.
Delano também é Chicanx, outro povo que sofreu com novas
medidas políticas focadas em reforçar a imigração legal e
deportar imigrantes não-documentados do México.
“Digo,
é devastador, cara”, Adore revela sobre os efeitos dessa repressão
sobre sua própria família. “Isso realmente acende um fogo debaixo
das bundas de todo mundo, porque que merda
está realmente acontecendo, sabe? Foi bem delicado por um momento
porque tenho algumas tias emprestadas da parte da minha mãe que
poderiam ser afetadas por tudo. Não foi um momento legal para
ninguém no nosso quarteirão”.
Outra
razão para seu crescimento em engajamento político foi o senso de
responsabilidade que ela sente pelos fãs mais jovens. “Antes eu
meio que fingiria demência, mas quando você algo tipo essa
situação política, um desastre esperando para acontecer, você tem
que no mínimo tentar fazer algo para
parar isso. Se sua galera olha para você como um modelo a ser
seguido, e você vê alguém tentando atacar sua galera, você tem
que dizer algo, cara. Não apenas por você, mas pelo futuro, sabe?
Há bebês que vão ter que viver aqui e limpar essa merda que esses
desgraçados estão fazendo para eles. É difícil não falar nada.
“Eu
fui suspensa no Twitter por ir atrás de... qual o nome dela? Tommy
Loren?”, ela fala sobre a autoridade conservadora Tomi Lahren.
“Você não pode evitar falar merda, sabe? E eu não ligo se for
suspensa, é tipo ‘volto em 12 horas, vadia!’”.
Levando
em conta o novo zelo político de Adore, tem havido algum interesse
em como ela vê a pessoa da qual ela segue os passos mais
diretamente, RuPaul Charles. No início do ano, RuPaul causou raiva a
muitos fãs de seu programa quando, em um perfil para o The Guardian
em março, ele disse que provavelmente não aceitaria um participante
transgênero que tivesse feito cirurgias de conformidade de gênero
ou iniciou a transição médica no programa. (Drag Race já teve
participantes transgênero em temporadas passadas, mesmo que muitas
delas só tenham se assumido depois de sua participação no
programa, e nenhuma passou por cirurgias de conformidade de gênero
antes das filmagens.) Levando em conta a linhagem imensa de artistas
drag transgênero e o fato de muitos fãs do programa serem
transgênero ou não-conformistas, os comentários iniciaram uma onda
de raiva.
“Digo,
ele é de uma geração mais velha”, ela começa tentativamente, “e
muitos de seus comentários estão fora de contato com o que está
acontecendo, porque quando ele surgiu, muitos dos tópicos que estão
surgindo agora não eram nem discutidos. Eu acho que ele apenas não
entende como discutir esses assuntos e descobrir porque
as pessoas estão com raiva”.
Mas
Adore é rápida em deixar claro que, mesmo que ela entenda as
diferenças entre as gerações, ela acha a visão de RuPaul
fundamentalmente falha. “Eu não quero falar merda, mas eu não
entendo essa mentalidade. Cresci em uma geração na qual, se eu não
entendesse algo, eu ia pesquisar e ler sobre isso. E vendo que os fãs
estão cada vez mais jovens, e que a cultura drag está se tornando
cada vez mais aceita, é um jeito bem horrível de se pensar. Drag
começa com mulheres trans. Esses comentários são bem
desconfortáveis, e sempre que ele diz algo do tipo, eu acabo no
telefone com alguma amiga minha do programa e fico tipo, ‘Mana…
ela precisa relaxar’”.
Quando
perguntada se esse tipo de comentário faz ela questionar
pessoalmente o legado cultural de RuPaul, ela fica um pouco
emocional.
“Me
faz questionar, é claro! Faz todo
mundo
questionar. Ficamos todas no telefone juntas dizendo ‘que porra
está acontecendo?’ Podemos falar que é a idade, mas ela cresceu
no meio da cultura drag também. Eu e um amigo estávamos no telefone
naquela manhã e ficamos tipo ‘Ela está cansada? Ela estava
dormindo quando twittou aquilo? O que está acontecendo?’”.
Quando
a entrevista vai chegando ao fim e ela é perguntada sobre planos
para o futuro, Adore é vaga. Suas respostas, além do imediato (“No
clipe que vou gravar amanhã, vai ter uma jiboia de um olho só,
estou nervosa”), são vagas. “Temos alguns projetos no verão que
vão ser muito divertidos!”
Quando
perguntada se se preocupa se sua carreira tem uma data de vencimento,
ela parece calma. “Não me preocupo com isso”, ela diz. “Não é
pra soar metida, mas eu fui esperta com isso. Não sou uma babaca,
então fiquei muito próxima de alguns produtores. Eu sou
recontratada quase na mesma época em que encerro uma turnê. Já
estamos conversando sobre voltar à Austrália e a Nova Zelândia.
Enquanto houver um mercado e pessoas interessadas na minha música,
isso tudo vai acontecer.”
No
último ano, Adore passou por muita coisa – batalhas judiciais,
turbulência
emocional, mudanças dramáticas, tanto pessoalmente quanto
artisticamente – e ela parece ter chegado a um ponto próximo à
paz. “Eu não sei, cara”, ela diz, explicando sua nova abordagem.
“Eu só tenho que começar a ver as coisas dessa forma, porque se
não, você pode perder a merda da cabeça”.
Matéria por: Sam Chapman
Tradução por: Luisa Martins
Foto: Giselle Dias
Agradecimento especial: Lianna Gaudier, por fornecer a entrevista.
Matéria por: Sam Chapman
Tradução por: Luisa Martins
Foto: Giselle Dias
Agradecimento especial: Lianna Gaudier, por fornecer a entrevista.
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